Um emaranhado de vielas. Uma laje. Um ângulo nunca visto da Baía de Guanabara. Um samba ao fundo, o cheiro de refogado caseiro. Cerveja estupidamente gelada para aplacar o calor mesmo em uma dia nublado/chuvoso. Água Santa. Bem que podia ser. Lembranças da infância com meu pai no subúrbio explodem na mente. Um gole, o olhar procura um lugar para sentar. Uma dupla com duas cadeiras vagas se oferece para dividir a mesa. Naturalmente.
No alto do Morro da Providência, Rosana sai de sua cozinha para receber os clientes. Ou convidados. Sorriso aberto e o nome do bar, Sabor das Louras, estampado no avental salpicado de molho de tomate. Está feliz. Ao ver a cena, sei que vou ficar também quando a comida chegar. Subi até ali intrigado com o jabá com jerimum na massa, um nome criativo para uma lasanha de carne seca com abóbora. Lendo assim parece estranho, mas a massa absurdamente leve, com a carne salgadinha, o doce da abóbora, o queijo, o pimentão, a cebola… hum… é isso, entendeu?
O Sabor das Louras fez parte do I Festival de Gastronomia e Cultura Sabores do Porto, organizado por órgãos governamentais, entre eles o Sebrae, e para o qual fui convidado como jurado. O evento tem por objetivo estimular a produção cultural e a integração nas comunidades da Providência e do Pinto, tendo como gancho principal um campeonato de petiscos. O vencedor será conhecido no sábado, dia 1/12 (e meus votos seguem em segredo… risos).
Foram 14 participantes (dois desistiram). Todos caprichando à sua maneira. O destaque não chegou a ser uma surpresa: o trato no atendimento. Em cada estabelecimento, bastavam cinco minutos para se sentir em casa. Puxa uma cerveja, coloca um pratinho com rissole de frango (o bem sacado rissole de Pinto com catupiry da Jo. Sacou?), de repente chega uma caixa de som, alguém puxa um pandeiro e um tantã… o samba ia começar, mas era preciso ir em frente. A missão nos chamava!
Imagino que subir as vielas da Providência esteja mais fácil depois da pacificação promovida pela instalação da UPP no morro. E confesso que não consigo medir o impacto na rotina dos moradores. O festival precisa de ajustes, o que é perfeitamente normal quando se trata de uma primeira edição. Mas o que ficou claro, principalmente no “coração” do projeto, – o alto do Morro da Providência -, foi a satisfação das pessoas em poder mostrar seu trabalho, orgulhosos. A cada lasanha, cada pastelzinho ou bolinho de bacalhau. A cada cerveja estupidamente gelada. Sinceramente, não dá para cozinhar com competência sem coração.
Na descida, duas meninas passam morro acima, perguntando pelo nhoque à la Jura de Juraci Gomes. “Ali para cima, um pouco depois da lasanha”. E lá foram elas, despreocupadas, como deveria ser sempre e em qualquer lugar. Desci sorridente e torcendo para que a laje, a vista, o samba e o cheiro do refogado chamassem a atenção e elas não perdessem nada.